terça-feira, 26 de abril de 2011

MARIA OLHA SOLIDARIAMENTE PARA JOÃO.

                                               JOÃO
A senhora sabe? Eu hoje estava vindo pra cá e estava exatamente pensando nisso. Eu estou com quase quarenta anos. (LEVANTA) Mas nem parece, pode dizer! Olha bem: um homem e tanto, não é não?

MARIA CONCORDA COM UM GESTO.
                       
JOÃO
Eu estava aqui pensando que eu sempre fiz tudo o que disseram pra eu fazer. Aos dezessete anos fiz até um teste vocacional. Todo mundo fazia. E o resultado era quase sempre o mesmo: “Aptidões para Ciências Contábeis, Medicina, Educação...” tudo ali, misturado. E a pessoa que se virasse pra entender o resultado e fazer a escolha certa. A pessoa tinha que se conhecer. (SEGURA O BRAÇO DE MARIA) Eu devia ter pedido para o meu pai interpretar o resultado do teste. Ele pelo menos "achava" que me conhecia. Eu não! Eu tinha certeza de que eu não me conhecia.

JOÃO PEGA OUTRO CIGARRO, PENSA EM FUMAR.

                                               JOÃO
Eu gostava de música, gostava de compor, de cantar. Mas tive que esquecer tudo isso. “Artista não é profissão”, ele dizia o tempo todo. Aí eu resolvi fazer vestibular para Direito. Meu pai bancava meus estudos. Advogado... Concurso público... Sabe como é: carreira bonita, todo mundo gosta. Antes ele tinha tentado me convencer a fazer medicina, mas é claro que não deu!

MARIA MAIS NOVA
(EXPRESSÃO DE NOJO) Eca, mãe! Galinha ao molho pardo! Que é isso? Galinha com sangue? Que nojeira!

JOÃO
A senhora não vai acreditar, mas eu nem tinha beijado na boca de uma menina ainda e eles queriam que eu soubesse o que eu ia querer ser quando crescesse. Eles não se preocupavam se meus hormônios estavam equilibrados dentro do meu corpo ou se eu já tinha namorada, mas me queriam doutor. (JOGA FORA O CIGARRO SEM ACENDER)

MARIA MAIS NOVA
(IRRITADA) Mãe! Pai! Eu quero ir pra festa. Lá vai estar o Tavinho, o Juninho, o Flavinho. Quero dançar...

JOÃO
(IMITANDO O PAI) "Só quer saber dos seus direitos, não é? Dever que é bom... nada!". Era assim o tempo todo. Isso, realmente, enfraquecia a nossa relação. (VOLTA À IMITAÇÃO DO PAI) “Largar a faculdade? Você está louco! Eu já paguei um ano de estudos... comprei livros... e agora? Vai largar tudo? Nunca!”

            MARIA MAIS NOVA
Mas pai, eu não agüento mais essa droga dessa faculdade... Direito Civil, Penal, Criminal... Não gosto. Não quero

                                               JOÃO
(CONTINUA A FALAR COMO O PAI) "Vai ser servidor público, sim. Não vai largar faculdade coisa nenhuma. Enquanto depender de mim vai ter que estudar. Estudar Direito. E direito. Fui claro?".

                                               MARIA MAIS NOVA
Eu estudo outra coisa. Faço vestibular de novo... Sei lá. Vou aprender inglês.

PELA PRIMEIRA VEZ, MARIA POSICIONA-SE SOBRE A HISTÓRIA DE JOÃO QUE É, TAMBÉM, A SUA HISTÓRIA. PRONUNCIA LEMBRANÇAS DE SEU PRÓPRIO PASSADO.

                                               MARIA
‘Não sabe o que quer...’

JOÃO E MARIA TROCAM OLHARES, CÚMPLICES.

                                               JOÃO
Eles sempre acham que a gente não sabe o que quer...

MARIA MAIS NOVA
Como você pode querer que eu saiba o que quero da minha vida com dezoito anos, pai? Não dá pra escolher futuro com dezoito anos... Não sei o que quero mesmo... Não sei...

                                               MARIA
Não sei de nada.  Só sei que, no início, fazia tudo como eles queriam. Estudei, como eles queriam. Namorava pouco...

MARIA MAIS NOVA
(SEGREDA PARA O NAMORADO) Tavinho, tem que ser escondido, pra não incomodar ninguém.

                                               MARIA
(LEVEMENTE ACANHADA PELAS REVELAÇÕES QUE ESTÁ FAZENDO) Eu era uma adolescente bem avançada para a minha época. Meus pais nem imaginavam que eu namorava toda a vizinhança.

                                               JOÃO
Os hormônios...

                                               MARIA MAIS NOVA
Pai, eu não falei palavrão. Diz, vai, diz que palavrão que eu falei? Ah, fala sério, pai, “porra” não é palavrão, não. “Porra” é vírgula.

MARIA
Não era bom não.

                                               JOÃO
Imagino.

MARIA
Pois é.
                                                          
 (SILÊNCIO)

MARIA

(LEVEMENTE IRRITADA) Mas teve uma hora que eu enchi a minha paciência! Lotei o pote! Foi o xampu... Tudo por culpa do xampu!

3 comentários:

  1. Cy, querida,
    há dias, quando abri meu email, vi q tinha me escrito algo no blog, mas - q deslize - nem te respondi: tenho entrado muito pouco na internet, quando o faço é aqui na faculdade, como agora, e é vapt-vupt!
    desculpada a ausência... desculpada a minha?
    espero q possamos, neste ano, nos falarmos mais, mesmo q assim desse nosso jeito atabalhoado.
    espero q esteja td bem. fique bem, tá?!
    quero vir aqui ler seu novo espaço. e o farei!

    *fui convidada para escrever num blog! tá lá meu texto-apresentação: http://bordelbordado.blogspot.com/2011/04/que-nem-mare.html
    espero q goste.

    um beijão

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  2. Esse trecho foi bastante esclarecedor,tô até curioso pra ver o que vem por aí,é uma bela obra,querida,enfim,bela.

    abraço !

    ps:sobre o "sol sobre" espero que consiga resolver,seria uma pena perder o lindo espaço.

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  3. Rafa, fico muito feliz por vocÊ estar por aqui. Havia escrito algo tipo gigantesco pra você, mas não consegui postar, e agora não acho mais as palavras. De toda a forma, gostaria de dizer que sua amizade é verdadeiramente importante, e volto a pedir desculpas pelo meu sumiço.

    Allan,
    as palavras pra Rafa valem pra você também, que é muito querido, e a quem também sou grata pela presença e amizade.

    um beijo aos dois,
    Cynthia

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