sábado, 21 de maio de 2011

MARIA EMBARCA NOVAMENTE EM UMA “VIAGEM” SÓ SUA. MARIA MAIS NOVA CONVERSA COM O FILHO QUE ESTÁ ESPERANDO. JOÃO PARTICIPA EMOCIONALMENTE DA CENA, QUE TAMBÉM É UMA LEMBRANÇA DE SUA HISTÓRIA.

MARIA
“Quando crescer vai ser médica, geriatra. Vai cuidar de mim!”

                                               MARIA MAIS NOVA
Quando eu era criança achava que, sempre que aparecesse um problema, viria algum príncipe encantado montado naquele lindo cavalo branco, ou algum anjo ou uma fada madrinha em meu socorro...

                                               MARIA
“Olha só, mulher...”

                                               MARIA MAIS NOVA
Quando eu soube que estava grávida de você, pensei: Pronto! Chegou meu anjo...

                                               MARIA
“... Olha como ela escreve direitinho...”

                                               MARIA MAIS NOVA
E eu pensei em você fazendo carinho na minha cabeça quando eu estivesse muito triste pelas coisas da vida. Pensei nas suas mãozinhas tocando meus cabelos e me fazendo esquecer as preocupações, a falta de dinheiro, os namorados babacas...

                                               MARIA
“... Olha como ela faz o  “A”...”
                                              
MARIA MAIS NOVA
Durante o mês em que fiquei sem saber o que fazer com você olhava todas as roupinhas de bebê nas lojas...

                                               MARIA
“... a letra “E”...”

                                               MARIA MAIS NOVA
E quando eu segurava um casaquinho ou um sapatinho, sentia uma saudade imensa do que eu nunca vivi. Uma saudade enorme de você.

MARIA
“... se não quiser ser médica, vai ser é professora...”

MARIA MAIS NOVA
Eu queria te pedir perdão. Eu não queria tirar você de mim, mas não sei o que fazer. Desculpa... Eu queria tantas coisas pra você e não consigo nem te deixar nascer.

MARIA
“...vai contribuir para o futuro do País!”

MARIA MAIS NOVA COMEÇA A CONVERSAR COM O PAI, ENQUANTO JOÃO RECONTA A SUA HISTÓRIA PARA SI MESMO. DESSA VEZ, É MARIA QUE SE REFUGIA NO SILÊNCIO.

                                                MARIA MAIS NOVA
(PARA O PAI). Você sabe como eu me sinto? Eu fiquei o tempo todo na sala de espera pensando que você ia aparecer de uma hora pra outra e me pedir desculpas.

                                               JOÃO
(UM POUCO CONSTRANGIDO, FALA ALEATORIAMENTE) Uma vez, bom, uma vez eu vivi uma situação parecida.

                                               MARIA MAIS NOVA
Eu imaginei que você ia pegar minha mão, como quando eu era criança e atravessava a rua sem olhar pro sinal, lembra?

                                               JOÃO
A minha mulher andava muito deprimida, porque a mãe dela tinha morrido. Ela estava tão arrasada que começou a beber muito. (PAUSA) Eu tentava esconder isso da minha filhinha o tempo todo. Ela devia ter uns cinco anos.

MARIA MAIS NOVA
Eu achei que você ia me apoiar.

JOÃO
(SAUDOSO) Ela era tão inteligente, a minha pequenina. Ela tinha percebido que alguma coisa estava errada.

MARIA MAIS NOVA
Achei que eu teria seu apoio pra ter esse filho. Eu queria um filho pra me servir carinho numa bandeja...

JOÃO
Um dia, a minha mulher bebeu mais do que devia e eu precisei colocá-la embaixo do chuveiro, de roupa e tudo, pra ver se a água amenizava o efeito do álcool. Nesse dia eu me esqueci de esconder a cena da menina. Então, enquanto eu segurava a minha mulher pra ela não cair, a minha filha apareceu: vestia um pijaminha e segurava uma bandeja.

MARIA MAIS NOVA
No meio da bandeja, um copo d’água; de um lado, um brinquedinho qualquer e, do outro lado, um bombom.
                                              
JOÃO
A minha mulher chorou tanto, mas tanto... Saiu toda molhada do chuveiro e ficou uma eternidade abraçada com a nossa filha.

                                                MARIA MAIS NOVA
Mas eu não pude ter essa criança e só fiquei encharcada de dor.

JOÃO
(EMOCIONADO) Mais tarde, quando completou sete anos, ela ficou curiosa sobre a história de nossa família. (SORRI, ORGULHOSO). Não sei de onde ela tirou essa idéia, tão novinha assim.  Ela queria saber quem era quem, então começou a perguntar sobre todo mundo: avô, avó, quem era pai e mãe de quem. Quando ela perguntou sobre o avô materno, eu disse: “Seu avô está no céu e você não conheceu, pois ele foi para o céu antes de você nascer. O nome dele era José”. Pronto, ela começou a chorar, ficou muito triste... Ela perguntou por que nós esperamos ele morrer pra deixar ela nascer? Durante muito tempo, ela ficou triste comigo e com a mãe. Disse que o avô dela virou anjo antes dela nascer.
                                                                                             
MARIA MAIS NOVA
Mais uma vez por sua culpa, eu fiquei sem meu anjo salvador. Eu sempre esperei por um anjo. (OLHA PARA O INFINITO). Céus! Onde está meu anjo salvador? Ele precisa estar em algum lugar.         
                                              
JOÃO
E eu fiquei tão sensibilizado com a sensibilidade dela ... passei a achar mesmo que eu era culpado por ela não ter conhecido o avô. Que loucura! (JUSTIFICA-SE) Mas eu não me sentia culpado por ela ter feito o aborto. Definitivamente, eu não tive culpa de nada. 

MARIA MAIS NOVA
(EM TOM ACUSATIVO, FALA COM O PAI) Mas o meu anjo salvador não é você! Tô cheia de lágrima por dentro. Tá doendo muito! Dói tudo. Eu não queria ter feito... Eu não tenho ninguém. A minha mãe só liga pra sua própria dor. Você não liga pra dor de ninguém. O meu namorado nem sabe que eu sinto dor, nem sabe que eu existo. Eu queria tanto ter tido alguém na minha vida. Eu queria meu filhinho agora, aqui, perto de mim. E eu não tive seu apoio pra ter esse filho. (PAUSA). Eu não tenho mais filho. Eu não tenho mais nada.

domingo, 8 de maio de 2011

UMA PAUSA NO XAMPU...

... para dizer da importância das dores, das cores, dos sabores, dos amores e das mães em nossas vidas. Seja 'como' ou 'por' elas ou 'pela falta' delas, um FELIZ DIA DAS MÃES para cada um, sem comercializar a data, POR-FA-VOR, sejamos sempre mais mães, cada um de nós. Acho que se houvesse mais um pouco de mãe em cada pai, em cada filho, em cada instituição - olhando, cuidando, orando, guiando, atuando - e, até mesmo, em cada mãe, seríamos, mães felizes.
beijos,

domingo, 1 de maio de 2011

MARIA MAIS NOVA
(FALA PARA UMA DAS AMIGAS DO APARTAMENTO) Grace Kelly, desculpe, eu só fui experimentar um pouquinho do teu perfume. Só um pouco. Eu sei que derramou, mas você precisa parar de se apegar às coisas. Tem que ser desapegada. Foi sem quereeer. Eu já falei: foi sem querer... Eu compro outro. Eu sei que era francês o perfume, que foi teu homem que te deu, mas desapega, Grace Kelly, pelamordedeus, desapega.

ENCAMINHA-SE PARA OUTRA ESCADA.

                                               MARIA MAIS NOVA
Pôxa, Karina. O que é que adianta você dizer que não vai mais fazer isso? Você sempre volta lá e faz. Essa história de ser garota de programa com hora certa pra acabar não existe. Fica aí saindo com  qualquer um; não olha nem a cara do sujeito, depois vem pra casa cheia de hematoma no meio da cara.
                                   
MARIA
Eu sentia uma “dó” imensa delas. Achava que elas eram tão sozinhas. Tinham empregos tão solitários quanto suas próprias vidas. A maioria trabalhava à noite.  De dia elas ficavam em casa, dormindo, esquecendo.  (ORGULHOSA DE SI MESMA) Mas eu não! Eu não ficava em casa dormindo! Eu tinha dois empregos! E em nenhum deles, ouça bem, em nenhum deles eu vendia a minha alma.

                                               MARIA MAIS NOVA
(FALA CANTANDO) Hoje é domingo! Tô de folga! Quero sair! (INSISTENTE COM A AMIGA) Vamos, lá Karina. Tira esse ranço da noite passada. Vomita esse porre. Vamos levar uma vida saudável. A partir de hoje: vida nova. Lá fora, o calçadão de Copa. Lindo! Enorme! Vamos ver a vida diurna. Conhecer umas pessoas bacanas: o povo da corrida. Quem sabe até arranjar um namorado e casar? De preferência, com alguém diferente desse gigolô babaca que vive te batendo. (PAUSA). Desculpa, amiguinha. Mas isso não é ofensa, é um fato! Sem ressentimento, eu adoro você e preciso de companhia.

MÚSICA AO FUNDO, MARIA MAIS NOVA EM UMA FESTA.

MARIA MAIS NOVA
(ENQUANTO DANÇA COM UM RAPAZ IMAGINÁRIO, CONVERSA EM TOM DE VOZ ALTERADO DEVIDO À MÚSICA ALTA). Eu não venho aqui sempre, não. Cada dia eu vou dançar num lugar. ÉÉÉ pra conhecer gente diferente sempre. Amplia as possibilidades de conhecer um cara legal pra namorar. É, eu quero namorar, sim. Quê? Quantos anos eu tenho? Vinte e poucos e você? Você tem dezessete? Legal! Eu topo! (SAI DE CENA)

                                               MARIA
Eu nunca gostei muito de pensar como seria minha velhice se eu estivesse sozinha. E mesmo namorando muito, eu estava sempre sozinha. Os namoros eram rápidos. Instantâneos. Não duravam mais do que o prazo de experiência. E aí, logo eu estava implorando companhia a qualquer um. (PAUSA). Você é casado?

                                               JOÃO
Fui.

MARIA
Não deu certo?

JOÃO
Eu tinha uma filha.

                                               MARIA
(SURPRESA) Tinha?

                                               JOÃO
Ela se perdeu de mim. (PAUSA)

                                               MARIA MAIS NOVA
(REAPARECE TENTANDO DORMIR) Eu quero dormir, vamos parar com essa barulheira aí. Desliga esse rádio, Joana. Não dá pra ficar nessa agonia à noite toda. Desliga essa droga desse rádio! Você só tem um emprego. Eu tenho dois, minha filha, dois empregos. Pra quê? Pra um dia sair correndo daqui.

MARIA
 (SAUDOSA) É, mas nós éramos muito unidas. Sabe, hoje sinto até falta daquele tempo? A gente fazia uma grande bagunça naquele apartamento. A única condição imposta pela dona da casa era que a gente não trouxesse homem nenhum pra dentro de casa.

MARIA MAIS NOVA
(IMITANDO A MULHER, HISTÉRICA) “Não tem essa história de homem aqui não”.

                                               MARIA
Só o dela. Cada dia era um. Mas quer saber? Eu não me importava. Eu só queria não morar mais com meu pai e minha mãe. Não queria mais ter que dividir o xampu com eles.
                                                          
MARIA NO CENTRO. NO OUTRO EXTREMO, MARIA MAIS NOVA ESTÁ VESTIDA COMO GARÇONETE E DIALOGA COM SEU PAI.

                                               MARIA
Um dia meu pai me ligou...

                                               MARIA MAIS NOVA
(IMITA O PAI). “Filha, como você está?”

                                               MARIA
Eu tinha um namorado. A gente se conheceu lá no meu trabalho! Ia todo dia ao bar em que eu trabalhava à noite. Sentava numa mesinha. Pedia uma bebida, lia páginas e páginas do livro que andava com ele pra cima e pra baixo. E eu andava na frente dele pra baixo e pra cima com meu par de coxas, pra ver se ele me notava. Horas depois ele pedia outro drinque.

                                               MARIA MAIS NOVA
(EXCESSIVAMENTE MEIGA, JOGANDO UM CERTO CHARME). Olha, você não me leva a mal não, mas ao meu patrão disse que você precisa consumir alguma coisa, pois a mesa, assim, fica ocupada demais com você, só três drinques por noite...

                                               MARIA
A gente era bem feliz, sabe? Ele ficava a noite toda lá. Ele engordou uns quatro quilos de tanta batata frita que comeu pra agradar ao meu patrão. Um amor de homem. Ficava esperando meu trabalho no bar acabar e me levava pra casa.

                                               MARIA MAIS NOVA
Pai!? Eu estou bem, obrigada por perguntar. E vocês? Sabe, pai, eu estou namorando. É ele é bem legal. Um cara e tanto. Não tem defeito nenhum, pai. Por que é que você acha que todo o cara que eu namoro tem defeito? (PAUSA). Ele é músico. Não pai, ser músico não é defeito. (PAUSA) Foi bom você ter ligado, eu queria saber, bem, quer dizer, na verdade, eu queria dizer que eu vou ser mãe. (EM TOM DE DISCUSSÃO COM O PAI, RETORNA À CENA INICIAL) Será que algum dia eu vou poder seguir o meu caminho em paz? Para de ficar dizendo como eu devo agir nessa vida. Eu preciso agir do jeito que eu quero. Não quer me apoiar, não apóia, mas não atrasa, tá legal? Não é porque não deu certo contigo que não vai dar certo comigo. (PAUSA). Não vou fazer isso, pai. Como? Você não está sugerindo um aborto? Claro que está! Eu preciso é do seu apoio. Já está muito difícil sem você contra mim.