domingo, 1 de maio de 2011

MARIA MAIS NOVA
(FALA PARA UMA DAS AMIGAS DO APARTAMENTO) Grace Kelly, desculpe, eu só fui experimentar um pouquinho do teu perfume. Só um pouco. Eu sei que derramou, mas você precisa parar de se apegar às coisas. Tem que ser desapegada. Foi sem quereeer. Eu já falei: foi sem querer... Eu compro outro. Eu sei que era francês o perfume, que foi teu homem que te deu, mas desapega, Grace Kelly, pelamordedeus, desapega.

ENCAMINHA-SE PARA OUTRA ESCADA.

                                               MARIA MAIS NOVA
Pôxa, Karina. O que é que adianta você dizer que não vai mais fazer isso? Você sempre volta lá e faz. Essa história de ser garota de programa com hora certa pra acabar não existe. Fica aí saindo com  qualquer um; não olha nem a cara do sujeito, depois vem pra casa cheia de hematoma no meio da cara.
                                   
MARIA
Eu sentia uma “dó” imensa delas. Achava que elas eram tão sozinhas. Tinham empregos tão solitários quanto suas próprias vidas. A maioria trabalhava à noite.  De dia elas ficavam em casa, dormindo, esquecendo.  (ORGULHOSA DE SI MESMA) Mas eu não! Eu não ficava em casa dormindo! Eu tinha dois empregos! E em nenhum deles, ouça bem, em nenhum deles eu vendia a minha alma.

                                               MARIA MAIS NOVA
(FALA CANTANDO) Hoje é domingo! Tô de folga! Quero sair! (INSISTENTE COM A AMIGA) Vamos, lá Karina. Tira esse ranço da noite passada. Vomita esse porre. Vamos levar uma vida saudável. A partir de hoje: vida nova. Lá fora, o calçadão de Copa. Lindo! Enorme! Vamos ver a vida diurna. Conhecer umas pessoas bacanas: o povo da corrida. Quem sabe até arranjar um namorado e casar? De preferência, com alguém diferente desse gigolô babaca que vive te batendo. (PAUSA). Desculpa, amiguinha. Mas isso não é ofensa, é um fato! Sem ressentimento, eu adoro você e preciso de companhia.

MÚSICA AO FUNDO, MARIA MAIS NOVA EM UMA FESTA.

MARIA MAIS NOVA
(ENQUANTO DANÇA COM UM RAPAZ IMAGINÁRIO, CONVERSA EM TOM DE VOZ ALTERADO DEVIDO À MÚSICA ALTA). Eu não venho aqui sempre, não. Cada dia eu vou dançar num lugar. ÉÉÉ pra conhecer gente diferente sempre. Amplia as possibilidades de conhecer um cara legal pra namorar. É, eu quero namorar, sim. Quê? Quantos anos eu tenho? Vinte e poucos e você? Você tem dezessete? Legal! Eu topo! (SAI DE CENA)

                                               MARIA
Eu nunca gostei muito de pensar como seria minha velhice se eu estivesse sozinha. E mesmo namorando muito, eu estava sempre sozinha. Os namoros eram rápidos. Instantâneos. Não duravam mais do que o prazo de experiência. E aí, logo eu estava implorando companhia a qualquer um. (PAUSA). Você é casado?

                                               JOÃO
Fui.

MARIA
Não deu certo?

JOÃO
Eu tinha uma filha.

                                               MARIA
(SURPRESA) Tinha?

                                               JOÃO
Ela se perdeu de mim. (PAUSA)

                                               MARIA MAIS NOVA
(REAPARECE TENTANDO DORMIR) Eu quero dormir, vamos parar com essa barulheira aí. Desliga esse rádio, Joana. Não dá pra ficar nessa agonia à noite toda. Desliga essa droga desse rádio! Você só tem um emprego. Eu tenho dois, minha filha, dois empregos. Pra quê? Pra um dia sair correndo daqui.

MARIA
 (SAUDOSA) É, mas nós éramos muito unidas. Sabe, hoje sinto até falta daquele tempo? A gente fazia uma grande bagunça naquele apartamento. A única condição imposta pela dona da casa era que a gente não trouxesse homem nenhum pra dentro de casa.

MARIA MAIS NOVA
(IMITANDO A MULHER, HISTÉRICA) “Não tem essa história de homem aqui não”.

                                               MARIA
Só o dela. Cada dia era um. Mas quer saber? Eu não me importava. Eu só queria não morar mais com meu pai e minha mãe. Não queria mais ter que dividir o xampu com eles.
                                                          
MARIA NO CENTRO. NO OUTRO EXTREMO, MARIA MAIS NOVA ESTÁ VESTIDA COMO GARÇONETE E DIALOGA COM SEU PAI.

                                               MARIA
Um dia meu pai me ligou...

                                               MARIA MAIS NOVA
(IMITA O PAI). “Filha, como você está?”

                                               MARIA
Eu tinha um namorado. A gente se conheceu lá no meu trabalho! Ia todo dia ao bar em que eu trabalhava à noite. Sentava numa mesinha. Pedia uma bebida, lia páginas e páginas do livro que andava com ele pra cima e pra baixo. E eu andava na frente dele pra baixo e pra cima com meu par de coxas, pra ver se ele me notava. Horas depois ele pedia outro drinque.

                                               MARIA MAIS NOVA
(EXCESSIVAMENTE MEIGA, JOGANDO UM CERTO CHARME). Olha, você não me leva a mal não, mas ao meu patrão disse que você precisa consumir alguma coisa, pois a mesa, assim, fica ocupada demais com você, só três drinques por noite...

                                               MARIA
A gente era bem feliz, sabe? Ele ficava a noite toda lá. Ele engordou uns quatro quilos de tanta batata frita que comeu pra agradar ao meu patrão. Um amor de homem. Ficava esperando meu trabalho no bar acabar e me levava pra casa.

                                               MARIA MAIS NOVA
Pai!? Eu estou bem, obrigada por perguntar. E vocês? Sabe, pai, eu estou namorando. É ele é bem legal. Um cara e tanto. Não tem defeito nenhum, pai. Por que é que você acha que todo o cara que eu namoro tem defeito? (PAUSA). Ele é músico. Não pai, ser músico não é defeito. (PAUSA) Foi bom você ter ligado, eu queria saber, bem, quer dizer, na verdade, eu queria dizer que eu vou ser mãe. (EM TOM DE DISCUSSÃO COM O PAI, RETORNA À CENA INICIAL) Será que algum dia eu vou poder seguir o meu caminho em paz? Para de ficar dizendo como eu devo agir nessa vida. Eu preciso agir do jeito que eu quero. Não quer me apoiar, não apóia, mas não atrasa, tá legal? Não é porque não deu certo contigo que não vai dar certo comigo. (PAUSA). Não vou fazer isso, pai. Como? Você não está sugerindo um aborto? Claro que está! Eu preciso é do seu apoio. Já está muito difícil sem você contra mim.

Um comentário:

  1. Bom,primeiro as flores depois os amores:
    Olha,tô gostando muito dessa peça,chego a tal ponto de imaginar os atores contracenando e os olhinhos de "o que virá agora?" do "adorável público".Com estas personagens (João e Maria) já passou pela vida de tantos falando apenas de Maria,seus medos,suas vontades,uma vida,tão bonita pela naturalidade que se impõe,olha,concerteza,está maravilhoso teu trabalho.
    Agora,os amores:
    Bem,EMOCIONANTES são TODOS os comentários que me deixa,são encorajadores,animadores,verdadeiros "antibióticos" com efeitos colaterais positivos.Recentemente tenho me chateado com pessoas por culpa da super-estima que às vezes encaixo em gente que parece merecer,mas não merece,logo decepciona.Teu comentário me reanimou e me fez dar um "deixa pra lá q'eu vou continuar" no mundo e isso,não tem preço (salvo o trocadilho).
    Sobre o Blog-livro,pensei bastante nisso um tempo atrás,mas tô de mãos amarradas,as cordas são o tempo e o limite da mente.Até tentei começar um livreto pra ver no que ia dar,mas não deu,teve logo um fim,foi quando escrevi "O Poeta e o Malandro".acho que infelizmente ainda sou escritor de estórias curtas,isso é bom e ruim ao mesmo tempo,mas por enquanto vou levando.
    Respondendo então a tua última questão:sim,estou bem,não ótimo,mas bem.A coisa mais grave que me tem acontecido é uma gripe de 7 dias ou algo parecido,no mais,a minha ausência se explica pela teimosia deste do "3g" que insiste em não conectar e me deixar com imensas saudades de tudo por aqui,espero ter esclarecido e lhe despreocupado,enfim,bela.

    abraço forte e sorte.

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